Publicado na seção Tendências/Debates da Folha de S.Paulo
O final do século 19 foi marcado pela busca das mulheres ao acesso à educação de qualidade, capacitação profissional e eliminação dos obstáculos ao exercício do trabalho remunerado. O direito de voto e elegibilidade assume protagonismo como ferramenta indispensável na realização desses objetivos.
A República (1889) foi um marco na conquista dos direitos políticos pelas mulheres, mas foi preciso muito engajamento para se assegurar o direito fundamental ao voto. Na Assembleia Constituinte de 1891, as propostas foram rejeitadas, criando uma ambiguidade em torno do elemento feminino, se estaria ou não incluído na categoria “cidadãos brasileiros”.
Na década de 1920, nasce a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher (Leim) na busca pela igualdade política. É celebre a frase Bertha Lutz, uma das coordenadoras: “Recusar à mulher a igualdade de direitos em virtude do sexo é negar justiça à metade da população”. Anos depois, a Liga foi substituída pela Federação Brasileira para o Progresso Feminino (FBPF).
A partir de 1927 novas propostas legislativas em prol do voto feminino chegam ao Parlamento. Bertha Lutz tinha como principal apoiador o senador Juvenal Lamartine, que, ao assumir o cargo de governador do Rio Grande do Norte, promulgou a lei estadual nº 660/1927, conferindo ao estado o status de ser o primeiro a garantir às mulheres o direito de voto. A FBPF encaminhou ao Senado uma reivindicação, exaltando: “Desde que uma só exista não há motivo para que não sejam eleitoras todas as mulheres habilitadas no Brasil”.
Em 1930, a reforma eleitoral, a moralização das eleições e o fim das fraudes generalizadas são pautas da Revolução. E é naquele momento, antes mesmo de um reconhecimento nacional, que dez estados incorporam o alistamento feminino.
Em 24 de fevereiro de 1932, o Novo Código Eleitoral contempla as garantias do voto secreto e do voto feminino (facultado às mulheres alfabetizadas). Apesar de só ter sido constitucionalmente assegurado dois anos depois, as mulheres puderam votar e ser votadas pela primeira vez nas eleições da Constituinte de 1933. O Brasil foi pioneiro na América Latina.
A lei nº 9.100/95 refletiu a primeira ação afirmativa ao destinar 20% das vagas nas eleições municipais às candidatas mulheres. Mas foi em 1997 que a cota mínima de 30% passou a ser exigida para as assembleias estaduais e para a Câmara dos Deputados. Em 2009, a lei nº 12.034 passou a determinar o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo.
Em 15 de maio de 2018, o pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI (ação direta de inconstitucionalidade) 5.617, equiparou o percentual legal mínimo de candidaturas femininas ao mínimo de 30% dos recursos do fundo partidário e declarou inconstitucional o acúmulo de recursos alocados para candidaturas femininas e não utilizados. Fixou a campanha eleitoral de 2018 como termo final para a transferência desses valores às candidatas.
Na contramão, a PEC 18/21 objetiva anistiar retroativamente partidos que não preencheram a cota mínima de gênero ou de raça ou que não destinaram os valores mínimos correspondentes em eleições anteriores, assegurando a utilização desses recursos em futuras eleições. Traz, como pano de fundo, as candidaturas femininas inexpressivas, criadas para cumprir o percentual exigido em lei.
O direito da mulher de votar e ser votada foi o início da concretização de conquistas significativas, mas, passados 90 anos, ainda assistimos a iniciativas que vulnerabilizam a igualdade de atuação e representação da mulher no espaço político.