Entrevista publicada no livro “Mulheres, Direito e Protagonismo Cultural“.

Eu sou aquilo que você queria ser/ Eu sou princesa de angola/ Filha de rei e rainha/ Não nasci pra lhe servir/ O meu reino não é aqui/ Pelos seus olhos somos vistos símbolo sexual/ A minha boca, meu cabelo, herança maternal/ Não vem se apropriar disso também/ 130 anos e nada mudou/ E com 94 morreu meu avô/ Quando me sangram é pela minha cor/ É a carne mais barata que você deseja/ É a minha carne que você deseja/ Misturar indígena e quilombola/Como um passarinho preso na gaiola/ Deixe-me ir quero ir embora/ Tire suas mãos de mim agora.

(FERREIRA, 2019)

Entrevistar Preta Ferreira é entrevistar várias mulheres em uma só; é enxergar o mosaico da vida por um único olhar.

ARTE E MÚSICA

Preta, eu gostaria muito que você me contasse um pouco sobre a sua vida, mas a partir de uma visão da influência da sua arte. Onde a Preta nasce, quando e como a arte entra na sua vida…

Eu tive uma infância muita boa né, na Bahia, até um certo tempo. Eu vivi com a minha mãe até os 10 anos, depois ela veio de Salvador para São Paulo, ela veio fugida de violência doméstica do meu pai e deixou a gente lá. E aí, depois de 5 anos a gente se reencontrou. A arte na minha vida, ela sempre existiu, sempre fui artista, quando eu era criança eu cantava para as flores. Eu sempre gostei de cantar, eu sempre gostei de inventar, inventar música. Até chegar em São Paulo, e conhecer o Movimento dos Sem Moradia1, eu não tinha conhecimento do que era arte, para ser artista mesmo. Foi no movimento que comecei a trabalhar com a arte. Tática de sobrevivência também, eu digo que usei a arte para sobreviver. Muito para fugir das mazelas do preconceito. Eu comecei na arte justamente por isso.

E você começa cantando, é isso?

Eu começo cantando, mas fazendo produção também. Na adolescência, em São Paulo, eu fiz a minha primeira produção em um evento lá na ocupação. Fiz, porque eu – sem teto – sofria muito bullying na escola. Então, fiz uma festa junina na ocupação e chamei todos os comerciantes locais. Montei a festa junto com os moradores, cada um montou sua barraquinha. Eu convidei todo mundo da escola, os alunos da escola. E aí nunca mais sofri esse tal preconceito, porque as pessoas entenderam o que que era o movimento sem teto. A partir do momento que conseguiram verdadeiramente compreender, começaram a conviver. Então, foi tudo através da arte.

Nesse contexto que você narrou, tem uma questão bem interessante. A arte é um espaço de poder?

Acho que é um espaço de poder muito grande, porque ela, a arte, transforma, e ela liberta.

Você tem formação em comunicação, não é isso?

É, eu sou formada em comunicação social, publicidade, propaganda e marketing. Eu me formei em 2012, justamente por gostar muito. Da arte de entender esse universo. Eu tenho essa formação, mas eu também sou profissional do canto, também trabalho para o cinema, com audiovisual. Eu escrevi roteiro…

Vamos devagar, vamos primeiro falar da música. A sua música é linda, a sua voz é maravilhosa. A sua música é muito forte, tem conteúdo histórico e de luta muito denso. A sua música, tem alegria ou tem sofrimento?

Tem alegria, tem vida.

Tem vida mesmo, tem vidas inteiras. E se você fosse falar de inspiração, de um cantor, uma cantora que tenha te influenciado; que lá atrás você olhasse e pensasse, quero ser como você. Existe? Quem seria?

Elza Soares e Margareth Menezes. As duas são minhas inspirações. Foram elas que me mostraram que eu poderia e posso ser cantora. No Brasil, foram elas que me abriram caminho.

E você chegou a ter alguma convivência com elas?

Sim, sim, com as duas. Eu tenho muita convivência com a Margarete, e com a Elza também tive. Já cantei com a Elza, já cantei para Elza também. Antes de lançar essa minha música de trabalho, a minha primeira composição (Minha Carne), eu fui pedir permissão a Elza. Isso porque “Minha Carne” é meio que uma contraproposta ao que ela disse, ao que ela usa, quando fala que “a carne mais barata do mercado é a carne negra” e eu coloco essa, essa carne negra, como a carne mais desejada, a carne mais cara. Então eu posso lançar? Eu pedi para ela, eu cantei para ela e pedi permissão para lançar a música, porque que ela foi uma espécie de madrinha, sabe? Eu tinha a Elza Soares como matriarca, como precursora, principalmente na música. Então eu fui pedir licença e fui pedir permissão.

Muito bonito, muito bonito. A música é belíssima, belíssima. Aí eu queria que você me falasse um pouco da princesa da música, da “Princesa de Angola”.

A princesa, a Princesa de Angola… Eu, quando falo que nós somos descendentes, falo que não somos descendentes de escravizados, somos descendentes de reis e de rainhas. Nós não viemos escravos, nossa origem não é escravidão. A nossa origem é um reinado. A gente veio a gente, nasceu coberto de ouro, de diamante. Nossas terras eram prósperas. Sou descendente de reis, rainhas, sou Princesa de Angola. Vim, e minha descendência não é de escravidão. Minha descendência é de reinado. Então, é isso que eu retrato do povo preto.

Fantástico. E aí, em um determinado momento, acabam com esse reinado? Se esquecem dele … E fazem barbaridades, não é?

Exato. E aí o povo quis também retratar toda a sua história para as pessoas lembrarem da origem das pessoas pretas no Brasil. Lembrarem da sua própria origem. De onde viemos, e o que é bom…

E isso engrandece e dá muita força para resgatar esse espaço, eu acho, e gostei muito.

Exatamente. Agradeço ainda por ter tirado as pessoas pretas desse lugar que menoriza esses corpos. Menoriza, precariza. Eu procuro nas minhas músicas também tirar as pessoas pretas desse lugar para mostrar o lugar de realeza, que é de onde são as pessoas pretas. O cabelo é uma coroa, nosso cabelo é uma coroa, então a gente precisa tratar. Tem muita origem, tem muitas conquistas no nosso corpo, e é por isso que eu falo, que eu canto sobre essas coisas, para trazer o povo preto para a sua origem mesmo, que de fato é o reinado.

É fantástica essa sua narrativa, a sua recondução do povo preto a verdadeira origem. Na verdade, tem uma questão central aí muito maldosa, um ardil, um artifício… Algo muito parecido com o que fazem com as mulheres de um modo geral. Como são desejados, desejadas, passam por um processo de menosprezo e enfraquecimento, para facilitar a captura.

Exatamente, quando eu digo “eu sou aquilo que você queria ser”, é porque o povo preto tem muita resiliência, mesmo com todas essas mazelas sociais, políticas, racismo mesmo. A gente ainda continua na resiliência. A gente continua resistindo, não é? E essas pessoas, eu digo as pessoas racistas, eu as vejo muito como inveja das pessoas pretas, porque se passassem pela metade das coisas que uma pessoa preta, pobre, passa para sobreviver no Brasil, não aguentaria. Não aguenta…

ARTE E CINEMA

Vamos falar do cinema…

É aí (2016/2017), o áudio visual entra na minha vida. Eu fiz (participei) do “Era o Hotel Cambridge”2, de Eliane Caffé, que retrata a história do movimento Sem Teto, de uma ocupação no centro de São Paulo, da tensão pela ameaça de despejo, das alegrias, tristezas e diferentes visões de mundo. Mas eu também comecei a fazer outros filmes. Eu já fazia participações em publicidade porque, como eu gostava muito de estar presente na arte, e o meio do audiovisual era muito difícil para a inclusão de pessoas pretas, quando havia uma chamada para fazer figuração, eu ia mesmo, até de graça. Eu queria estar lá para conhecer o mundo, para estudar, então eu comecei a participar de publicidade, comecei a virar garota propaganda de alguns comerciais. Depois, veio o audiovisual e já entrei no cinema. O Hotel Cambridge, e depois outros filmes.

Me fale dos mais marcantes, não importa se grandiosos ou não, marcantes na alma e no coração.

Eu viajei muito, eu viajei para muitos lugares com audiovisual. Eu fui para Berlim, agora para no último festival de Berlim com o “Shine Your Eyes3. Com o “Receita de Caranguejo4 ganhei um Kikito5, como melhor atriz, para especial do júri. São filmes que estão rodando o mundo inteiro. E agora, tenho 2 filmes que eu estou fazendo e o roteiro do meu filme que eu estou fazendo também. Já estou me fase de produção. No audiovisual eu sou, além de roteirista, diretora. Eu acabei de dirigir 2 filmes e um videoclipe, então, para mim, a arte ela não tem barreira. Eu não me apego a currículo, me apego a estudos.

O que te convence a fazer este ou aquele trabalho?

Acho que nos filmes, o que me convence a fazer é a história. Qual é a história? Que eu vou contar? Essa história tem a ver com a minha luta? Essa história condiz com o meu discurso? Essa história condiz com o que eu faço, porque se for um filme que eu tenha que retratar o que não existe, recuso. Eu costumo recusar, porque é contra a minha ética, é contra o que eu luto. Não posso jogar contra a minha própria construção.

Eu acabei de recusar agora a HBO e a Netflix, porque queriam que eu fizesse um filme para retratar uma mulher que saiu da prisão e estava feliz na cena. Era um recomeço feliz e eu não quis esse papel. Não quis porque era mentira. Quando as pessoas deixam a prisão, elas não estão felizes.

Eu não quero mostrar para a sociedade uma coisa inexistente. Eu quero mostrar para a sociedade uma coisa que existe. Uma coisa que a gente passa e que precisa transformar; mostrar o que a gente precisa mudar. Então, faço filmes com essas conotações, não faço confecções para ludibriar a cabeça das pessoas. O cinema é a arte em si, que atravessa muros e entra na casa das pessoas. Tudo para mim tem que ter um significado e tem que andar junto com o que eu luto. Para agregar, né?

E nesse contexto dos filmes, qual foi o maior significado?

Eu acho que o maior significado foi quebrar muitos preconceitos, foi ser reconhecida pela minha arte, por quem eu sou. E, ao mesmo tempo, não precisar me transformar e me vender para uma indústria. Eu acho que esse foi o meu maior significado. Isso foi o que transformou a minha vida no audiovisual, no cinema. Foi isso.

É uma conquista muito grandiosa, acompanhada de um prazer imenso. Mas vamos falar muito sinceramente, nessa cesta de sentimentos, tem um quê de vingança?

Tem um quê de ensinamento, de troca. Por que não é vingança? Porque eu não vou ficar olhando para trás para me vingar do que aconteceu com a gente e deixar de viver. Então eu tenho um quê de aproveitar as oportunidades, tem um quê de estar, um quê de ensinar, um quê de trocar, um quê de conversar e de mostrar caminhos.

Me fale um pouco mais do Receita de Caranguejo

O Receita de Caranguejo é um filme que eu sou a protagonista, sou a Fátima, a mãe da Larissa, que é uma garota de 14 anos que o pai morre num acidente de carro. A Larissa meio que culpa a mãe, então eu a levo para uma casa que eles têm na praia e tento resgatar o amor dela por mim com uma receita de caranguejo que a minha mãe (avó da Larissa) me ensinou. Então, passamos um final de semana na praia, nos reconstruindo, nos reconectando. Na casa estão coisas pessoais do pai, e aí se vai reconstruindo a história, mas somente entre mãe e filha, sem o pai.

Que relação tem esse filme com a sua vida? Aonde você se encontrou nesse filme?

Sim, sim, eu me encontrei nesse filme, porque sou da cozinha, sou muito de cozinhar, gosto muito de receber as pessoas fazendo comida, tomando vinho. Mas a minha relação com esse filme foi mesmo de eu me sentir a Fátima naquele lugar. Minha mãe criou os filhos sem pai. Então eu me vi muito nesse lugar e me transformei na Fátima justamente para criar uma filha sem pai. Então eu quis criar a Larissa, como minha filha, como eu gostaria de ter sido criada, como eu fui criada pela minha mãe. Acho que essa foi a minha relação de aproximação com Fátima, que é a questão da mãe solteira, de ser mãe solteira, de estar mãe solteira.

Então, no contexto também passa uma mensagem para a mãe solteira…

Exatamente para que a mãe solteira também se reconstrua, seja forte e perceba que essa condição não a limita. Não é ali o final, não é o fim do mundo. A maioria das mulheres no Brasil, principalmente das mulheres pretas, é mãe solteira.

Você acha que ser mãe solteira, no nosso contexto brasileiro, é, de certa forma, é um empoderamento feminino? Algo como eu dou conta disso sim?

Eu não acho empoderamento. Eu acho que é um empoderamento obrigatório. É um empoderamento forçado. Porque não é isso que define o nosso empoderamento. A gente vai ter que criar e dar conta do filho de qualquer jeito. Então, é uma imposição.

Eu acho que a gente transforma isso em empoderamento, até por uma questão de sobrevivência. O que você acha?

É, a gente transforma em empoderamento, até porque a gente quer criar nossos filhos bem, a gente quer criar essas crianças, em uma condição boa que a gente talvez nunca tenha tido. Então é esse o empoderamento, de trabalhar duas vezes mais para que não falte nada para essa criança, para que ela tenha de tudo. De uma certa forma, é um empoderamento, mas é um empoderamento que nos obrigam.

Fale um pouco do Shine Your Yes

Esse filme, do Matias Mariani, me levou a Berlim. Fiz a produção de elenco e fiz uma participação especial também. Foram três meses de gravação. Foi muito difícil para arrumar os personagens, porque todos os eram estrangeiros. Precisei estudar a cultura de cada um para fazer as cenas, ir aos espaços regionais específicos em São Paulo. Foi um trabalho muito grande, mas que me possibilitou ir para o festival de cinema de Berlim. Eu não era a protagonista do filme, era uma outra mulher preta, a Indira Nascimento, e o O.C. Ukeje que é um ator nigeriano que já ganhou vários prêmios. Mas o que eu fiquei muito impressionada lá em Berlim, e que me deixou meio impactada, foi que todo mundo me conhecia, todo mundo sabia da minha história e, quando chegou no momento dos festivais, na hora de apresentar o filme, as pessoas não estavam mais muito interessadas na história do filme, porque queriam saber da minha história da prisão política no Brasil e da política atual do país. Então, tive a percepção de que eu poderia estar tomando o protagonismo de outra mulher preta, que era, sim, a protagonista do filme. Não fui mais para os festivais, para as sessões, e fui conhecer Berlim. Fui conhecer as ocupações, fui conhecer os movimentos por moradias de lá, fiz um intercâmbio para aproveitar a cidade e para deixar a Indira, a principal artista do filme, ter todo o espaço para falar. Acabei conhecendo a cultura desses movimentos. E quando se fala desses movimentos, falamos de simplificação. A especulação imobiliária está no mundo todo. A falta de moradia, ela cabe ao mundo inteiro. Foi essa a minha viagem para Berlim, uma viagem incrível, conheci muita gente, muitos movimentos e fui a algumas galerias de artes lá também.

Essa saída de cena para deixar o espaço para a Indira, como se chama? Ética? Respeito?

Eu chamo de ética mesmo. O mundo nasceu para todos. Não era a minha vez, era a vez dela. Acho que a gente tem que ter empatia pelas pessoas, respeito, sororidade. E estamos falando de mulher, de mulheres e, principalmente, de mulher preta. Uma mulher preta para chegar no cinema como a principal, a artista do filme, e perder seu espaço exatamente naquele momento, não é justo, não tem justiça.

ÉTICA E PRECONCEITO

Você acha que essa ética permeia as relações entre mulheres? A mulher branca normalmente também mantém essa ética na relação com a mulher preta?

Depende. Nem todas. Mas eu amo falar assim para outra mulher: “nossa você é foda”, “seu trabalho é incrível”, “parabéns”. Sabe por quê? Uma luta não anula a outra. Ninguém toma o lugar de ninguém. Exatamente. Eu não estou aqui para tomar um lugar. Isso na arte se repete muito. Na arte tem plágio, tem roubo de intelecto. Agora, falando sobre a Indira, a personagem dela na novela é uma poeta que teve o seu poema roubado. Uma mulher branca tomou o lugar dela. E essa é a trama da Indira na novela. Não podemos generalizar, mas as pessoas brancas, em sua grande maioria, querem ter o protagonismo todo. Para um preto ter espaço no audiovisual brasileiro é muito difícil, é um segmento elitista, racista. Então você tem que ser muito boa. Sério. Você tem que ser muito boa para ter espaço no audiovisual.

Eu sei, o preto tem que ser muito bom para conseguir ocupar qualquer espaço e na arte, então, acho que é bem mais complicado.

A minha arte é livre. Eu não deixo que ninguém mande na minha arte porque é uma particularidade minha. Por muito tempo, por muitos anos eu não me reconheci artista. E quando eu entendi a artista que eu sou, eu não deixo ninguém se apropriar, eu não deixo ninguém tomar. Todos os meus contratos são minuciosamente analisados. Eu tenho que querer, eu tenho que estar de acordo com tudo. Se não, não vendo, não troco.

RELIGIÃO

Mudando completamente, você tem religião?

Tenho religião, tem que ter, né? A fé precisa existir, independente da religião de cada um. Mas tem que ter a fé, você tem que se apegar alguma coisa, porque se o seu espiritual não tiver bem, você não tem como prosseguir, não tem como ir para frente. Tem amor, tem Deus, tem espiritualidade. A gente precisa falar sobre isso. E não julgar cada um com a sua religião. Porque a religião para mim é o amor. Deus ensina o que é o amor, ele ensina que somos irmãos, irmãs e Cristo na espiritualidade. Então se a gente não entender o que que é a religião nesse sentido, se torna realmente uma mercadoria. Não se torna amor, não se torna afeto, não se torna transformação.

Eu sou do Axé. Meus orixás de cabeça são Oxum e Ogum. Iansã também é minha protetora. Iansã protege meus dons artísticos. A religião nos despe completamente. Somos irmãos, independente da classe social, da cor, da raça, gênero, credo. Quando você entra para bater cabeça, para falar com os orixás, você tem que se despir de todos os títulos, de todos os diplomas, do seu próprio corpo. E com os pés no chão, para se reconhecer despido.

Para abraçar essa fé tão grande, é difícil, demora um tempo, mas quando acontece é uma coisa tão boa que parece que você não é desse mundo. Todos os meus problemas, eu aprendi que eu devo entregar, orar. Entregar e pedir orientação para não acabar enfiando os pés pelas mãos. Porque a gente, como figura pública, tem que tomar cuidado com muitas coisas, principalmente com a palavra.

Mas eu fui criada na igreja evangélica. Você acredita? Eu tenho uma irmã que é pastora, meu cunhado é pastor, meu irmão é diácono… É uma divisão aqui em casa, então eu acredito em Deus. Acredito na bíblia, acredito na palavra, acredito na fé. Fé, para mim, é tão importante que eu acho que a gente não pode brincar e nem desprezar a fé do outro. Eu sou aquela que fala para as pessoas que elas precisam ter fé. A minha nova música, que está sendo gravada agora, chama-se: “Não perca a sua fé”. É uma música que eu fiz enquanto eu estive presa e cantei para a Angela Davis quando ela esteve no Brasil6.

E como foi esse encontro com a Angela Davis?

Foi potente, foi muito potente. Eu gosto de passar a ideia para as pessoas de que foi um encontro de dor também. Se pararmos para pensar nas mulheres pretas que estão revolucionando e lutando por liberdade, elas estão sofrendo com violências há muito tempo. Então, esse encontro foi para mostrar, para acordar a sociedade também sobre o que está acontecendo com nossas mulheres. Qual é essa violência que estão empregando nos corpos dessas mulheres que estão lutando por direitos constitucionais para todos? Esse encontro, para mim, teve, muito, essa conotação de que a gente também precisa se afirmar com outras pessoas pretas e saber que não estamos sós. Foi muito bom para provar que não se pode mais sair silenciando mulheres pretas no Brasil, e que tudo ficará por isso mesmo. Como silenciaram Marielle. Como tentaram me silenciar com a minha prisão. Só que a minha prisão ganhou uma repercussão gigantesca, internacional, midiática. Isso, porque quando eu estava presa, falei, dei muita entrevista, e eu não me silenciei.

CÁRCERE

Eu assisti suas entrevistas, gostei muito e preciso pontuar que, em um contexto horroroso, porque a prisão é horrorosa, você conseguia estar bonita. Muito bonita.

Nossa, mas você sabe que eu pesava muito isso lá. A a primeira coisa que eu pedi foi um esmalte vermelho, um batom vermelho e um rímel. Por que que eu pensei nisso? Eu pensei assim, vocês vão me ver presa, triste, mas linda.

E aí entra a beleza, que volta para arte. Não apenas com você mesma, mas do lado de fora também, como se tudo estivesse muito permeado. Vamos lá, a Preta é cineasta, a Preta é atriz, a Preta é produtora, a Preta é diretora. E a Preta é escritora também. E dessa prisão saiu um livro.

Dessa prisão saiu um livro.

Minha carne: diário de uma prisão”7. Por que o livro?

Eu sempre fui muito da escrita desde criança, sempre gostei de inventar histórias, escrever histórias. E aí, eu pensava, poxa, eu sei que quando eu sair vai ficar muita gente cima de mim, me indagando sobre essa prisão, sobre as pessoas que eu cruzei o caminho, e eu não queria perder nenhum detalhe, por mais que tenham sido detalhes dolorosos. Eu precisava retratar para a sociedade, para vocês que estavam aqui fora lutando pela minha vida e gritando pela minha liberdade. Como é difícil, como é duro ser presa injustamente, mas também é muito duro e difícil ser mulher neste país. E como as mulheres têm as vidas destroçadas pelo patriarcado.

ARTEVISTA”

A sua arte dentro do movimento político é muito forte e eu gostaria que você me falasse um pouco sobre isso. Sabe aquela conquista que enche a alma e o coração e que você fala: nossa funcionou! Me conte um pouco disso.

Na última passeata que teve aqui em São Paulo, na Paulista, havia mais de 100 mil pessoas. Tinha um carro que diziam ser o carro dos artistas. O que eu fiz? Peguei um monte de cantores, um monte de artistas de vários segmentos, mulheres, indígenas, botei todo mundo no trio, tomei o microfone da mão deles, e falei: “a rua é do povo, a arte é nossa!”, “E aí, vocês são políticos, vocês não podem falar de arte”. Então, eu tomei o microfone e fiz um grande show na Paulista, com tudo pronto para mais de 100 mil pessoas. Eles me queriam como um corpo político. Eu falei, está bom, meu corpo é político, eu faço arte, eu faço política, arte.

Sou multiartista. E quando você fala da questão da militância, da política e da arte, eu me considero uma “artevista”, porque eu não consigo fazer arte separado do ativismo político. Eu posso falar, eu posso cantar, fazer uma música falando da falta de moradia, eu posso fazer uma música falando da violência doméstica que as mulheres sofrem no Brasil. Eu posso fazer uma música falando sobre os povos indígenas, então eu sou uma “artevista”. Eu extraio dessas coisas que a sociedade me mostra, eu extraio tudo e transformo em música. Faço essa transformação.

Na prisão eu escrevi muitas composições, muitas músicas e, principalmente, música de amor. E era aí que as pessoas indagavam, como você fez música de amor na prisão? Eu fiz uma música que fala: “quero ser as palavras da singela carta que te escrevo agora só para ter teu olhar voltado para mim, dos teus olhos, dos teus lábios, quero ser o sorriso, nunca vi magnitude perfeição numa só junção dos teus braços quero ser o abraço mais apertado da tua pele quero ser a chuva para percorrer teu corpo por inteiro, quero ser teu amor pois tu és meu amor, meu amor.”

Maravilhoso, maravilhoso.

É importante a gente falar de amor, né? Porque as pessoas acham que a mulher preta é só força, que ela não fala de amor porque tem que falar de luta 24 horas. Eu falo de amor, eu falo muito de amor. Falo de fé, porque eu sou um ser humano. Eu amo, eu sinto dores, eu sinto raiva, então eu falo dos meus sentimentos. Eu falo de sentimentos. Todos os sentimentos que vocês têm que a sociedade tem, que outras pessoas têm, eu também tenho. Eu não quero ser aquela mulher que tem que estar sempre forte e que não chora, não, eu choro. Sinto dores, sinto raiva. Eu sinto muito amor, eu sinto compaixão. Eu sou um ser humano e quero falar disso, da humanidade, porque, do contrário, a gente fica parecendo um robô.

Todo mundo sofre, todo mundo tem, enfim, uma diversidade de sentimentos, de agruras, de angústias, enfim, de tudo quanto é sentimento. Penso que quando você não mostra isso, você fica muito distante, sabe?

Fica, você se afasta das pessoas porque as pessoas também precisam de amor, precisam de palavras de aconchego, precisam de palavras de força, palavras de fé. Nas minhas músicas, eu uso muito isso. Na música “Não perca a sua fé”, ela canta:

“… em meio ao fluxo e refluxo da maré do meu destino. Eu lutei bravamente no silêncio profundo. O medo que tentou me afogar no mar da solidão puxou a minha mão para outra direção. Gritei bem alto, porque me calar nunca foi opção. Nas horas obscuras, a tristeza não perdura. Insista, resista, persista, não fuja, não desista, tire forças do além, olhe para o horizonte, evolua sua mente. O caminho é para a frente. Nem toda essa tristeza é capaz de lhe parar. Coloque-se de pé. Não perca a sua fé.”8

Maravilhoso, mas é isso mesmo. Parceiros, parceiras de arte…

Tenho vários, vários, todo mundo que você pensar, imaginar na arte eu tenho. Tenho parceiros de música, tenho parceiros bienais, que já fiz duas, Chicago e Nova Iorque.

Me fala das bienais, porque nós não falamos.

Então, a gente, junto com o movimento, tem uma galeria de arte. Eu trabalho muito esse meu lado de artista, de criação, de fazer arte também ensinando. Materializando arte. Então, participei da Bienal de Chicago, que que foi a primeira (2018), falando de imigração, sobre pessoas de outros lugares.

Aí, enquanto eu estava presa, teve a Bienal de Nova Iorque a bienal estava rolando e eu estava no Chile, “xilindró”. Agora estou com outros artistas plásticos, eu faço uma residência artística. Trago artistas de diversos lugares do mundo e do Brasil, principalmente, que, além dessa condição social, trabalhem com as crianças e adolescentes, porque a arte, para mim, ela liberta muito. Então eu procuro possibilitar, capacitar crianças e adolescentes para serem artistas, para colocar a arte para fora.

Eu tiro essas crianças do farol, que estão lá roubando, e faço esse trabalho com elas. De arte. No final, a gente expõe todas as obras de arte que elas fizeram com um show, com comida, e bota para leiloar as peças junto com as galerias de arte que eu tenho como parcerias, e com outros artistas também. A renda desse trabalho é revertida para essas crianças, então, durante a criação do projeto elas também recebem uma verba, pouca que seja, mas recebem para não para não precisarem ir para o farol roubar, para comprar comida para dentro de casa.

Esse projeto, ele é formal? Ou por enquanto ainda é, digamos, um movimento?

Eu comecei agora. Depois que eu saí da prisão. E eu não só esse, tenho também um outro projeto, chama-se “Riqueza Menstrual”, de arrecadação de absorventes para as mulheres. Aí, eu distribuo nas prisões, em casas e abrigos que recebem essas mulheres que sofrem violência doméstica, e nas escolas públicas também.

Tenho também um trabalho que chama “Liberdade pretas”, que é com o meu livro. Eu estou voltando para as prisões e capacitando essas mulheres, para quando elas saírem terem, além de oportunidade, sim, a consciência de que podem mudar e de que a prisão não é o final. Tenho todos esses projetos que vou trabalhando. Esse projeto, “Liberdades pretas”, para tirar as pessoas do contexto de prisão, trata de várias liberdades, não apenas a liberdade física tolhida atrás das grades, mas especialmente a liberdade mental. Essa é a principal, então eu trabalho com a arte dessa forma, ou seja, o que me é acometido, o que me foi acometido de ruim, eu transformei. Vi e enxerguei necessidades e agora eu capacito pessoas para que não passem por isso, para que não haja necessidade de passarem por isso.

Vamos voltar para os parceiros, no trabalho tem parceiro ou parceira mais constante?

Tenho sim. Eu tenho a Maria Gadú que é a minha produtora musical. Então ela está produzindo meu disco. Mas tem outros parceiros também, tudo, toda possibilidade, e toda brecha de arte que você imaginar, eu faço parceria com alguém. Penso que minha arte não é absoluta, não é a única. Eu prezo muito os artistas que são desconhecidos, porque para tornar essa pessoa conhecida, a arte dessa pessoa conhecida através de mim, eu falo: “ó, então vamos lá, vou te levar, você vai subir, porque eu quero que você esteja em outro lugar.” Sabe, é aquela história, eu subo e puxo outro.

Sim. A vida é isso.

Eu gosto de trabalhar isso, porque senão, não tem graça.

Vamos fazer um desenhinho: quem eu fui, quem eu sou e onde eu vou chegar? Não é onde eu quero chegar, mas onde eu vou chegar?

Eu fui uma liderança, uma militância sem teto por um bom tempo, fui uma estudante por um bom tempo. Hoje eu sou uma artista conhecida, eu sou uma artista premiada. E eu não tenho limites para chegar. Eu quero subir, porque eu sou que nem um foguete. Foguete não tem ré. Eu não tenho, não me limito porque eu acho que o horizonte é muito grande, ele é gigantesco, então eu tenho todas as possibilidades, todas as portas do mundo abertas para mim. Eu não tenho um lugar definitivo onde eu vou chegar. Eu tenho lugares e coisas para realizar. Então é isso, para mim sonhos foram feitos para serem realizados e eu sou uma realizadora de sonhos, principalmente dos meus, né? Verdade que eu realizo não somente os meus, os dos outros também, mas eu me permiti, me dei ao luxo de cuidar um pouco de mim, de pensar em mim. Antes eu fazia a luta e achava que o sentido da luta era para fazer as pessoas felizes, para fazer as pessoas saírem do estado que colocaram, mas eu descobri que eu não estava fazendo luta para mim. E eu não sou Jesus, eu sou uma mulher, e tenho sonhos, tenho objetivos. Eu tenho metas, tenho um foco. E preciso fazer coisas para mim, para eu me realizar também. Para eu estar bem, para eu vencer também.

Com certeza. Quantos anos você tem Preta?

Tenho 37.

MINHA CARNE

Uma menina, uma menina, uma gata, uma menina. Me diga, do que mais você gostaria de falar agora?

Ah do livro (Minha Carne: diário de uma prisão)! É, eu quis narrar a história de cada uma daquelas mulheres que eu encontrei no caminho. Por que eu quis narrar aquela história dessas mulheres? Porque eu não estava presa sozinha. E eram muitas histórias de muitas mulheres que também passaram por outros tipos de sofrimentos. Eu vi que na prisão, não tem um termômetro para a dor, a gente não tem um termômetro para sentimento, né? Quem está há mais tempo, quem está há menos tempo, não, são todas mulheres que estão privadas de liberdade. Impossibilitadas de sonhar, impossibilitadas de existir, impossibilitadas de reexistir, impossibilitadas de levantar a cabeça, estão impossibilitadas de serem ouvidas.

Então, o que que eu fiz? Um lugar de escuta, dei um lugar de escuta que elas precisavam, e comecei a escrever a história. Hoje eu sou amiga de todas elas. A maioria já saiu. Continuo fazendo um trabalho com todas elas, um trabalho de empoderamento. Assim que saem da prisão, faço também um trabalho de ressocialização, de inserção social, junto com outras parcerias. Eu trabalho com a Humanitas3609, com a Patrícia Villela Marinho. Todas essas ONGs que trabalham com a questão do encarceramento em massa, lá estou eu, porque pego a minha vida para dar cor para essas mulheres, como exemplo. Do quanto se pode e do que somos sim, exemplos de superação. Mulheres que tem que ter possibilidades.

Nessa experiência que você teve (vou chamar de experiência porque – com o outro – penso que é sempre experiência) você tira uma razão, ou duas ou três mais peculiares para as mulheres, de um modo geral, chegarem ao cárcere?

De um modo geral, o patriarcado e o machismo. São esses. Algumas mulheres cometeram crimes por causa dos homens, justamente por eles. Quando falo algumas, é a grande maioria. E uma coisa me deixa abismada, a solidão das mulheres. As filas dos presídios masculinos são gigantescas. E veja as filas dos presídios femininos, não tem, não tem fila.

Elas são esquecidas.

Elas são esquecidas, abandonadas, trocadas, iludidas.

Concordo, mas vamos voltar para a arte, porque eu não posso sair muito dela.

Ah, sim. Vamos falar da arte na prisão. Eu fiz muita arte na prisão. Todo mundo, mas todo mundo mesmo, gostava de cantar louvor lá. Aí, eu falei, vou fazer uma música pra a gente. Todo dia tal no horário X a gente vai cantar essa música, e a gente vai ser feliz com a nossa própria música. A música é “Não perca a sua fé”, e eu quis, eu escrevi essa letra para que elas. Além de ser para não perder a fé, também era para ir extraindo um pouquinho de cada uma delas, para que soubessem da força que cada delas tinha. Em “Não perca a sua fé”, quando eu canto, vejo o rosto de cada uma delas.

Bárbaro, adorei. Me fale uma coisa, todas elas receberam o seu livro?

Todas elas receberam meu livro, até as que ainda estão lá. A gente troca muito sobre isso. Antes de colocar a história de cada uma no livro, eu pedi permissão. Falei que iria contar história delas, mas com outro nome. Até mesmo para não constranger essas pessoas, porque não sou só eu, estou falando de vidas, de seres humanos, de dores, de angústias. Então, eu procurei ser muito delicada. Perguntei, pedi permissão, autorização, e ninguém se recusou. Ninguém se recusou a estar no livro, a fazer parte, e elas irão para o meu show. Elas também participam dos projetos que eu faço. E por que isso? A arte, ela tem um poder de libertar. Eu trabalho a minha arte para libertar a mente dessas pessoas.

Lá dentro, eu usava muito o lúdico. Eu sempre fui do teatro também, fiz teatro por um certo tempo e daí, quando ficávamos no pátio, eu falava: “Vamos, todo mundo, se deitar no chão, olha para cima. Tá vendo esse céu? Pensa que é o mar. Tá vendo esses pássaros? Pensa que é o peixe ali, ó. Quando você vê aquele coqueiro, pensa que está na praia.” Para tirar aquela angústia de se estar presa, sabe, para não ficar vendo só grade e parede escura. Então eu mostrava muito isso, brincava muito com o lúdico. Eu também colocava todo mundo para fazer exercício físico. Quando chegavam os potinhos de cândida, de produtos de higiene, eu enchia com pedra e água e a gente ficava lá fazendo o peso dos exercícios. Então, colocava todo mundo para treinar, todo mundo para correr meia hora e depois a gente fazia os exercícios físicos.

E aí a preta saiu da prisão. Como é que ficou esse universo lá sem a Preta? Deixou um legado?

Deixei. Além de deixar legado, fiquei muito amiga dos diretores, dos advogados que lá estão, das famílias que visitam, e a gente trabalha junto. Buscamos melhorias também para os funcionários da SAP, porque essas pessoas, esses funcionários, também estão presos. E muito mais, porque prestaram concurso para estarem presos.

Verdade, verdade.

Estão mais presos ainda do que eu estive. Eu tenho um mundo aqui fora. Uma possibilidade de coisas para viver, e essas pessoas não, só tem a prisão.

A VIDA É UMA ARTE

Vamos, só para tentarmos fazer uma amarração disso tudo, a arte permeou sua vida inteira, certo? Por isso, fica até ridículo fazer uma pergunta qualquer sobre onde ela está, porque ela está na sua vida inteira.

Ela está na minha vida inteira. Eu não vivo sem arte. Eu acho que um mundo sem arte, ele não tem cor. O mundo sem arte não tem, ele não tem ar, não dá para a gente respirar. Tudo é arte. É a arte de fazer política. É a arte da dança, é a arte de criar, é arte de libertar. Tudo é arte. Um mundo sem arte, ele não existe. Você também é artista. Arte de fazer jornalismo.

Estou aqui treinando, nossa! Estou treinando… Eu queria muito que você terminasse com uma fala de em alguma música. Uma fala de esperança para todo mundo. Pode ser?

É, tem sim. Você quer que eu fale, ou você quer eu cante?

O que você quiser, querida. Eu adoraria ouvi-la cantar.

Eu vou cantar Não perca sua fé. Porque foi a música que fez as mulheres despertarem dentro da prisão, mas é uma música que eu também uso muito como esperança, futuro, continuidade. A gente precisa continuar. Precisa esperançar.

Preta cantando maravilhosamente, sem qualquer instrumento ♫♫♫:

Em meio ao fluxo e refluxo da maré do meu destino, eu lutei bravamente no silêncio profundo.

O medo que tentou me afogar no mar da solidão puxou a minha mão pra outra direção.

Gritei bem alto, porque me calar, nunca foi opção. Nas horas obscuras, a tristeza não perdura, insista, resista, persista. Não fuja. Não desista.

Tire forças do além, olhe para o horizonte, evolua sua mente. O caminho é para a frente. Nem toda essa tristeza é capaz de lhe parar. Coloque-se de pé, não perca a sua fé.

Use a resiliência dentro de você. Não espere o outro vir para te reerguer.

Não faça do seu caminho muito mais longo que a eternidade, desfrute a liberdade, transforme toda a dor no mais puro amor.

Encare a sua realidade, nada dura para sempre, bem menos a maldade.

Tire forças do além, olhe para o horizonte, evolua sua mente. O caminho é pra a frente. Nem toda essa tristeza é capaz de lhe parar. Coloque-se de pé. Não perca sua fé.

Não perca sua fé.

Não perca sua fé.10

Finalizo na certeza de que Preta Ferreira merecia não apenas uma entrevista, mas um livro. Dentro desse livro também estaria sua mãe, Carmen Silva Ferreira11.

Cecilia Mello. Advogada, Desembargadora Federal Aposentada do TRF3.


1 Movimento Sem-Teto do Centro (MTSC). Disponível em: <https://www.movimentosemtetodocentro.com.br/>. Acesso em: 04 março 2022.

2 ERA O HOTEL CAMBRIDGE. Direção: Eliane Caffé. Produção: Aurora Filmes. Brasil: Vitrine Filmes, 2016. DVD.

Esse filme conta a inusitada trajetória de um grupo de refugiados que divide com os sem-teto uma ocupação no centro de São Paulo. Na tensão diária pela ameaça de despejo, revelam-se pequenos dramas, alegrias e diferentes visões de mundo dos ocupantes.

3 CIDADE PÁSSARO (Shine Your Eyes). Direção: Matias Mariani. Produção: Primo Filmes. Brasil: Vitrine Filmes, 2020. Netflix.

4 RECEITA DE CARANGUEJO. Direção: Issis Valenzuela. Produção: Tabuleiro Filmes. Brasil: Tabuleiro Filmes, 2020.

5 Prêmio dado anualmente aos filmes vencedores do Festival. O Kikito é o símbolo e prêmio máximo concedido no Festival de Gramado.

6 Poder para o povo preto. Angela Davis visita Preta Ferreira e ouve canção composta pela ativista durante prisão. Disponível em: <https://midia4p.cartacapital.com.br/angela-davis-visita-preta-ferreira-e-ouve-cancao-composta-pela-ativista-durante-prisao/>. Acesso em: 04 março 2022.

7 FERREIRA, Preta. Minha Carne: diário de uma prisão. 1ªed., São Paulo: Boitempo, 2020.

8 FERREIRA, Preta. Não perca a sua fé. São Paulo, 2022. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=6AC0Ph92O4E>. Acesso em: 04 março 2022.

9 Humanitas 360. Disponível em: <https://humanitas360.org/home/>. Acesso em: 04 março 2022.

10 FERREIRA, Preta. Não perca a sua fé. São Paulo, 2022. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=6AC0Ph92O4E>. Acesso em: 04 março 2022.

11 Mulher negra, nordestina e mãe de oito filhos, Carmen Silva deixou a Bahia fugindo da violência doméstica e em busca de uma vida melhor. Logo que chegou a São Paulo, em 1990, ela viu que ter um trabalho não era garantia de uma moradia digna, já que não ganhava o suficiente para pagar o aluguel. Durante muito tempo, ela teve que dormir em albergues. Vivendo na pele o drama de não ter onde morar, Carmen estava no grupo que grupo que, em 1997, ocupou a atual Ocupação 9 de Julho, um prédio do INSS e entre as ruas Álvaro de Carvalho e Avenida Nove de Julho, no Centro de São Paulo. Disponível em: <https://avidanocentro.com.br/cidades/carmen-silva-do-mstc/>. Acesso em: 04 março 2022.

Para saber mais: <https://www.uol.com.br/ecoa/reportagens-especiais/causadores-carmen-silva/> e <https://jornalistaslivres.org/carmen-silva-a-lider-dos-sem-teto-que-a-injustica-quer-prender/>.

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