Na linguagem política a Lei 14.057/2020, promulgada pelo presidente Jair Bolsonaro na última segunda-feira (14), contém um “jabuti”, uma inserção no texto totalmente alheia à sua discussão principal. Apesar da Lei dispor sobre um acordo com credores para pagamento com desconto de precatórios federais, o penúltimo artigo altera a legislação tributária federal para permitir a anulação de multas e autuações, contra igrejas e outras instituições religiosas, pelo não recolhimento de contribuições previdenciárias.
O texto toca em um complexo problema político e um vespeiro econômico: organizações de atividades religiosas devem cerca de R$ 1,5 bilhão aos cofres públicos da União, grande parte disso relativas às contribuições previdenciárias não recolhidas por igrejas, mesquitas e templos de outras denominações nos salários de seus sacerdotes.
A medida impacta principalmente igrejas evangélicas – cujos fiéis dão franco apoio ao presidente Bolsonaro. A Igreja Mundial do Poder de Deus, que deve R$ 91 milhões à União, terá perdoada cerca de R$ 55,5 milhões por contribuições não recolhidas. A Igreja Renascer, dos pastores Estevam e Sônia Hernandes, pode ter perdoado R$ 27,8 milhões de uma dívida total de R$ 33,4 milhões. E, no caso mais emblemático, a Igreja Internacional da Graça de Deus terá sua dívida com a União, de R$37,8 milhões, integralmente perdoada.
Desde 2015, a Lei 13.137 permite que organizações religiosas não recolham a contribuição previdenciária sobre os vencimentos de clérigos de qualquer denominação religiosa. O texto promulgado por Bolsonaro coloca um ponto final na discussão ao promover efeitos retroativos ao que foi definido cinco anos atrás. Com isso, ficam “consideradas nulas as autuações emitidas” e, por consequência, todas as multas aplicadas.
O escopo do perdão tributário às empresas pode ser ainda maior, porque Bolsonaro vetou do texto, aprovado pelo Congresso Nacional, o perdão às dívidas pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), no mesmo sistema da contribuição previdenciária.
Para a advogada e ex-juíza do TRF3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), Cecilia Melo, embora atualmente já se tenha notícia de circunstâncias antiéticas, ilícitas, e até mesmo de gravidade imensurável envolvendo instituições religiosas, o fato é que a origem desse benefício na Constituição não tem esse fim, “e tampouco privilegia práticas quase que comerciais que acabaram se instaurando em algumas dessas organizações”, apontou a advogada.
“A imunidade tributária constitucionalmente prevista tem como alicerce a salvaguarda de um direito fundamental que se insere na liberdade de crença, no livre exercício dos cultos religiosos”, lembrou Cecília, com o objetivo de garantir proteção aos locais de cultos e liturgias, nos termos do artigo 5º da Constituição Federal.
Leia mais em entrevista publicada na LexLatin.