O racismo estrutural é um fenômeno histórico e sistêmico, que antecede as instituições e molda as relações sociais. Ele se expressa na forma como oportunidades são distribuídas, na produção de desigualdades persistentes e na naturalização de hierarquias raciais ao longo do tempo.
No Brasil, dados revelam que pessoas negras apresentam, em média, menores níveis de renda e escolaridade, maior exposição à violência e menor acesso a direitos, o que evidencia que a desigualdade racial não decorre de episódios isolados, mas de uma estrutura social excludente.
Segundo o Atlas da Violência divulgado em maio de 2025, uma pessoa negra no Brasil enfrenta um risco 2,7 vezes maior de ser vítima de homicídio do que uma pessoa não negra. Nesse cenário, o Direito Penal assume papel relevante na proteção de minorias e grupos vulneráveis, especialmente a partir da interpretação constitucional conferida pelos tribunais superiores.
Racismo e sistema penal
O sistema de justiça criminal é um dos principais espaços de reprodução do racismo estrutural. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, divulgado em julho pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2024, de cada dez pessoas mortas pela polícia, oito eram negras.
Já a população carcerária, pelo mesmo levantamento, era composta de 68,7% de pessoas negras e 29,9% de pessoas brancas, dado que pode estar subestimado tendo em vista que só se tem informações sobre 85,3% do total de presos.
Esse cenário reforça críticas à atuação punitiva do Estado, que tende a incidir de forma mais intensa sobre grupos historicamente marginalizados.
A Constituição Federal de 1988 consagra a igualdade como direito fundamental (art. 5º, caput) e estabelece que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão (art. 5º, XLII). Esse comando constitucional confere ao Direito Penal função expressa de tutela da dignidade e da igualdade racial.
Jurisprudência
O Supremo Tribunal Federal tem papel central na consolidação da proteção penal contra o racismo. Em novembro, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 973, a Corte formou maioria de votos para reconhecer a existência do racismo estrutural no país e determinar a criação de um plano nacional de enfrentamento à questão no prazo de 12 meses.
No julgamento do HC 154.248, em 2021, a Corte firmou o entendimento de que a injúria racial se enquadra no conceito constitucional de racismo, sendo, portanto, imprescritível. Para o STF, ofensas dirigidas a pessoas negras não se limitam à honra subjetiva, mas atingem todo o grupo racial, reforçando estruturas discriminatórias.
Em outra decisão paradigmática, ao julgar a ADO 26 e o MI 4.733, o STF reconheceu em 2019 a omissão legislativa na criminalização da homotransfobia, determinando a aplicação da Lei do Racismo (nº 7.716/1989) até a edição de legislação específica. Embora o foco tenha sido a proteção da população LGBTQIA+, o julgamento reafirmou a compreensão do racismo como fenômeno estrutural e compatível com uma leitura ampliada de proteção a minorias vulneráveis.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, há decisões relevantes sobre a aplicação da injúria racial que refletem a interpretação atual do Direito Penal brasileiro. Em fevereiro de 2025, no julgamento do HC 929.002/AL, a Sexta Turma do STJ, por unanimidade, entendeu que a injúria racial não se configura em ofensas dirigidas a pessoas brancas exclusivamente por essa condição, rejeitando a tese do chamado racismo reverso e reafirmando que a lei penal de racismo e injúria racial visa proteger grupos historicamente discriminados e minoritários. O relator, ministro Og Fernandes, destacou que a tipificação penal deve ser interpretada à luz da realidade social e das diretrizes constitucionais de igualdade.
Racismo institucional
O racismo institucional pode ser compreendido como uma manifestação concreta do racismo estrutural. Ele se manifesta quando instituições operam gerando resultados desiguais, reforçando hierarquias raciais e dificultando o acesso equitativo a direitos fundamentais.
Na educação, por exemplo, o racismo institucional ocorre na diferença de qualidade entre escolas em bairros predominantemente brancos e aquelas em bairros majoritariamente negros. No mercado de trabalho, na predominância de brancos nos cargos de chefia e na menor possibilidade de ascensão profissional para funcionários negros.
Limites e desafios
Embora decisões judiciais e normas penais sejam instrumentos importantes de afirmação de direitos, o combate ao racismo estrutural não pode se restringir à punição penal. O risco de expansão punitiva e de aprofundamento do encarceramento em massa exige cautela e atuação integrada com políticas públicas, educação em direitos humanos e controle das práticas institucionais.