Além dos dispositivos que aumentam a cobrança sobre as grandes empresas de tecnologia, o projeto que tenta conter a disseminação de fake news no país incluiu um trecho sobre imunidade parlamentar que tem aspectos questionados por juristas.
A apreciação do texto foi concluída na quarta-feira (8) pelo grupo de trabalho criado em junho deste ano para elaborar uma proposta para “aperfeiçoamento da legislação brasileira referente à liberdade, responsabilidade e transparência na internet”.
Com o fim desta etapa, o projeto já poderia ser levado ao plenário —o que só deve ocorrer no ano que vem, segundo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Para aprovar o texto, o relator do projeto no grupo de trabalho, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), fez concessões e acatou sugestões de parlamentares, entre eles o deputado Filipe Barros (PSL-PR), aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Uma delas gerou controvérsia. No capítulo que trata da atuação do poder público, o relator acrescentou dispositivo que estabelece que a “imunidade parlamentar material estende-se às plataformas mantidas pelos provedores de aplicação de redes sociais”. Ou seja, manifestações de deputado e senadores em redes sociais seriam protegidas por lei.
Orlando Silva defendeu a inclusão do dispositivo no texto. À Folha ele disse que inúmeras leis têm texto similar ao escrito na Constituição. “É redundância que apoia a conexão do texto constitucional com a lei em questão”, afirmou. “Por exemplo: há um trecho no PL 2.630 [fake news] no qual é reafirmada a liberdade de expressão, que também é uma garantia constitucional. É redundante? É. Mas faz parte da lógica de construção do texto. Tem o mesmo efeito”, disse Silva.
O deputado lembrou o conceito de imunidade parlamentar previsto no artigo 53 da Constituição, segundo o qual deputados e senadores “são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. O relator negou que o dispositivo sirva para blindar parlamentares que cometam crimes. “O melhor exemplo é o fato de termos deputados processados e presos.”
Juristas e especialistas consultados veem pouco efeito prático na inclusão do trecho no projeto.
A advogada Cecilia Mello vê no dispositivo uma movimentação para estender a garantia constitucional às plataformas de redes sociais como uma forma de isentar os responsáveis por essas plataformas pelos conteúdos veiculados por congressistas.
“O parlamentar faz um comentário que está dentro da prerrogativa dele, ou seja, ele tem uma imunidade nessa fala, e a plataforma avalia isso como inadequado ou fake news e retira o conteúdo. Aí o parlamentar diz que ele tem imunidade, e que ela não pode retirar. Esse é o jogo”, disse, lembrando que a ideia surgiu de um movimento político bolsonarista.
Na avaliação dela, o dispositivo interfere na autorregulação das redes e favorece a divulgação em larga escala de fake news, conteúdos de ameaça ou incitação à violência que podem caracterizar crimes contra a honra e de outra natureza.
“Quando a gente fala que é inconstitucional, a gente tem uma razão de fundo, porque a Constituição conferiu a imunidade aos parlamentares por serem autoridades da República, enquanto a plataforma não representa a República”, ressaltou.
“Com a extensão de imunidade, vai surgir um novo conflito, que é o de a plataforma não poder retirar um conteúdo inadequado de um parlamentar.”
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