Mesmo se decidir por autorizar o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) após o trânsito em julgado, o Supremo Tribunal Federal (STF) não deverá estender o benefício a criminosos condenados por violência doméstica ou reincidentes. A questão remete a um dos principais debates do judiciário neste início de ano. A Suprema Corte julga o caso de uma pessoa já sentenciada que pede o direito ao acordo.
A advogada Cecília Mello lembra que o acordo de não persecução penal, introduzido pela Lei Federal nº 13.964/19, (especialmente art. 28-A do CPP) foi mais um passo na evolução da justiça consensual criminal que se iniciou com a implementação das medidas de transação penal e a suspensão condicional do processo.
“O acordo de não persecução penal tem largo alcance em relação às infrações penais previstas em nosso ordenamento jurídico. Com a sua celebração – e cumprimento – deixa de haver uma condenação penal e todas as consequências que dela decorrem, constituindo nova causa de extinção da punibilidade”, explica.
O caso tem ganhado repercussão. Recentemente, o subprocurador-geral da República Wagner Natal manifestou à Suprema Corte um pedido do Ministério Público Federal (MPF) para que o ANPP fique restrito ao ato de recebimento da denúncia. Segundo ele, a finalidade desse tipo de acordo é evitar que se inicie o processo e não se justifique a sua composição.
Natal acredita que o STF entende a Lei 13.964/2019, no trecho em que instrui o ANPP, como Lei Penal de Natureza Híbrida. Dessa forma, a norma tem, ao mesmo tempo, natureza processual, ao estabelecer a possibilidade de composição entre as partes para evitar a instauração de uma ação penal, e natureza material, com a possibilidade de extinção da punição de quem cumpre tudo o que estiver determinado no acordo.
Para Cecilia Mello, “é de extrema importância registrar a existência de um consenso no sentido de que as normas processuais que versem sobre garantias penais devem obedecer à regra da retroatividade da lei mais benéfica, em decorrência do princípio do favor rei. O cumprimento do ANPP gera nova hipótese de extinção da punibilidade, adequando-se ao conceito de norma processual com conteúdo material, portanto, de aplicação retroativa”, argumenta.
A advogada acredita que o julgamento, que deverá se dar em harmonia com o art. 5°, XL, da Constituição Federal, tende a conceber a aplicação retroativa do ANPP para os processos em curso, reabrindo, inclusive, a possibilidade de confissão.
Após o trânsito em julgado
A Corte julga o caso, que começou no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), de uma pessoa condenada devido ao porte ilegal de uma arma de fogo. Em apelação à segunda instância, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a defesa pontuou que houve constrangimento ilegal constante porque foi negado o direito ao acordo, sendo que o réu possuía todos os requisitos previstos no 28-A, do Código de Processo Penal (CPP).
O ministro Olindo Menezes negou o pedido, alegando que não cabe retroatividade do artigo, após recebida a denúncia. Manteve a decisão, reiterando que “o ANPP incide aos fatos ocorridos antes da entrada em vigor da Lei 13.964/2019, desde que ainda não tenha ocorrido o recebimento da denúncia”. Recorrendo à última instância, agora, a defesa quer a total anulação da decisão do TJSC, além da intimação do MP para propor o ANPP ao paciente.
Os advogados reiteram, ainda, que não há jurisprudência consolidada acerca do ANPP retroativo, somente uma decisão da 1ª Turma do STF, no HC 191.64/SC, que serviu de paradigma para a denegação da ordem.
Publicado na LexLatin Brasil.