Por Rafa Santos
O protagonismo do Supremo Tribunal Federal na história recente teve muitos desdobramentos. Antes desconhecidos por boa parte da população, ministros do STF atualmente são avaliados por um número crescente de brasileiros. Esse cenário trouxe patamar inédito de pressão e também abriu a discussão sobre o processo de indicação dos ministros.
Está em tramitação no Senado uma proposta de emenda à Constituição de autoria do senador Lasier Martins (Podemos-RS) que promete discussões elétricas na casa legislativa. O texto obriga o presidente a indicar os integrantes da STF a partir de uma lista tríplice. Nesse modelo, os ministros seriam escolhidos por uma comissão formada por sete instituições — entre elas o próprio Supremo e a Ordem dos Advogados do Brasil.
A PEC 35/2015 recebeu um substitutivo de autoria do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) que acrescenta um mandato de 10 anos para cada ministro na proposta sem recondução e inelegibilidade de cinco anos.
Em entrevista à ConJur, o ex-presidente Lula falou sobre o tema. Disse ter sido republicano e revelou que existem muitos outros fatores além do notório saber jurídico para definir o candidato ideal a ocupar um lugar no STF.
“Se eu puder contribuir para que os próximos tenham mais qualificação — mas não qualificação jurídica, porque isso todos têm, mas qualificação ética, visão de país, de sociedade. É isso que as pessoas têm que ter. É o seguinte: dê a toga. Quando você der a toga, você vai ver quem é. Como você não pode dar a toga antes de indicar, pode ser surpreendido”, resumiu Lula.
Nas regras atuais, além da indicação do presidente, o candidato ao STF tem que passar por uma sabatina na CCJ do Senado e ter seu nome aprovado pelos parlamentares. Apesar de dura, a sabatina é encarada por analistas políticos como mera formalidade. A construção da viabilidade de um candidato ao Supremo é anterior a ela e envolve árdua discussão política.
No livro Justiça no Brasil às Margens da Democracia, Mariana Llanos e Leany Barreiro Lemos tratam da importância das deliberações políticas na escolha dos candidatos. “Propostas presidenciais só serão bem sucedidas se conseguirem atravessar as diversas barreiras do sistema multipartidário, especialmente — mas, não somente — aquelas colocadas por seus aliados na bancada governista. Quando se trata das indicações para o STF, a diferença entre presidentes que lideram uma maioria composta por um só partido e aqueles que lideram uma maioria multipartidária não são os (sempre altos) níveis de aprovação de suas políticas no Congresso, mas a necessidade de os presidentes ‘serem ponderados em suas escolhas’”. Mais do que uma escolha única do presidente, a definição de um candidato a cadeira do Supremo parte da construção de um consenso. E isso não deve mudar com a suposta aprovação da PEC.
Ao analisar a proposta, o jurista Lenio Streck é bastante cético sobre o tema. “A PEC termina com a vitaliciedade e o mandato será de 10 anos. E será feita uma comissão composta pelo presidente do STF, PGR, presidentes dos TCU, STJ, TST, TSM e OAB. Eles farão lista tríplice, da qual o presidente da República escolhe um. Interessante é que o senador Lasier, que não dá bola para cláusula pétrea, admite que é cláusula imodificável a nomeação de ministro pelo presidente da República; o senador tem um conceito seletivo de cláusula pétrea”, diz.
“Segundo a PEC, para ser ministro, é necessário ter experiencia de atividade jurídica de 15 anos. Pena, não? Professores de Direito, ao que se vê, ficarão de fora. De novo. A PEC vai piorar o que está ruim. Será um STF formado por juízes, MP, eventualmente um conselheiro do TCU e advogados. Provavelmente farão um rodízio. Já fico imaginando o lobby. E como será a candidatura? Milhares mandarão curriculum. E o conselhão terá que delegar para assessores fazerem a triagem. Não vai ser fácil”, afirma.
Para Streck, até o fim da tramitação da proposta a quantidade de envolvidos na escolha de um ministro do STF tende a aumentar. “ A PEC ainda está sendo discutida e este é um país corporativista, penso que esse colegiado irá aumentar (e muito), com a inclusão do defensor geral, do chefe da polícia, do AGU, dos policiais civis, dos procuradores dos estados, dos fiscais da receita, da CGU…e vai ficar bem grande. Pago para ver”, aponta.
Estabilidade temporária
Já o professor de direito do Ibmec-MG Vladimir Feijó enxerga pontos positivos na proposta. “Países europeus costumam ter cortes constitucionais com mandato para os membros. Seguem a lógica de que o delongado tempo num cargo contribui para a corrupção. Algumas cidades da Grécia clássica já discutiam essa opção”, diz.
Para ele, o “prazo de 10 anos contribui para certa estabilidade e segurança jurídica, permitindo aos indicados inclusive seguirem com a importante função contramajoritária”.
Apesar de enxergar pontos positivos, ele aponta potenciais problemas na formação de uma lista tríplice. “Tendo a concordar com o argumento dos próprios ministros do STF de que pode gerar um agravamento do corporativismo da magistratura que já é um lobby forte e que consegue inclusive manter benefícios e subsídios muito superiores à capacidade econômica do país”, explica.
Segundo a criminalista Cecilia Mello, a proposta procura dar ao STF uma composição global mais assemelhada a composição do STJ, porém mais ampla e com caráter temporário, tendo em conta que o mandato seria de 10 anos, proibida a recondução pelo prazo de cinco anos.
“A proposta abre uma reflexão sobre o processo de escolha de Ministros do STF que, aparentemente, seria mais democrática. Entretanto, importante que se considere todos os reflexos que podem advir desse processo de escolha, seja em termos de formação jurisprudencial do STF, seja quanto à segurança jurídica das decisões, seja ainda em relação aos direitos daqueles que forem nomeados. Embora, a PEC traga inúmeros questionamentos sobre o atual modelo, não vejo com simplicidade a sua alteração que, demandaria regulamentação bastante complexa e ajustada”.
Como exemplo a advogada lembra o processo do “mensalão” (Ação Penal 470) que teve seu recebimento pelo Supremo em 2007, mas o julgamento apenas ocorreu a partir de 2012, tendo sido concluído em 2014. “Esses marcos temporais fornecem uma ideia da complexidade que os casos e julgamentos podem ter”.
Já Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em direito público administrativo pela FGV não vê necessidade na mudança.
“Não há razão para que se mude o atual sistema de escolha e aprovação dos ministros do STF e tampouco para estabelecer um mandato por tempo determinado para a sua atuação naquele tribunal. Trata-se de uma das mais relevantes funções públicas que demanda notório conhecimento jurídico-constitucional, além de vasta experiência, racionalidade, bom senso e de modo especial, a consciência de sua responsabilidade em julgar com a mais absoluta neutralidade e conforme determina a Constituição e a legislação infraconstitucional. Para que tais atributos possam ter efetividade e concretude é necessário contar com a vitaliciedade na referida função, a qual dará a indispensável maturidade intelectual para os seus membros, no sentido de tornarem os julgamentos da mais alta instância do Poder Judiciário um retrato fiel da Carta Magna e ao mesmo tempo, mais próximos da realidade que os cerca”, finaliza.
Texto publicado originalmente no Consultor Jurídico.