Publicado no Conjur
Ao validar a norma constitucional que permite o deslocamento para a Justiça Federal dos casos que envolvem grave violação de Direitos Humanos, o Supremo Tribunal Federal reconheceu uma escolha política legítima e, ainda, privilegiou a eficácia de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Essa é opinião da maioria dos especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre a decisão do STF que confirmou a regra inserida no artigo 109 da Constituição pela Emenda Constitucional 45/2004 (Reforma do Judiciário).
A decisão foi provocada por ações ajuizadas pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages).
No voto vencedor, o relator da matéria, ministro Dias Toffoli, explicou que a federalização leva em conta o fato de que a responsabilidade internacional do Brasil recai sobre a União, e não sobre os estados.
”A decisão privilegia a eficácia de tratados internacionais, o que é fundamental em um mundo globalizado em que cada Estado é cada vez mais capaz de provocar grandes abalos na ordem mundial e, portanto, deve ser passível de responsabilização”, afirmou Georges Abboud, sócio do Warde Advogados, professor de Direito Constitucional na PUC-SP.
Abboud explica que o deslocamento da competência esses casos para a Justiça Federal irá permitir um tratamento mais especializado e eficaz às violações de direitos humanos.
O advogado e professor de Direito Constitucional do Mackenzie, Alessandro Soares, lembra que o Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) previsto no artigo 109 da Constituição já vem sendo aplicado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. “Dessa forma, o principal impacto da recente decisão do Supremo Tribunal Federal é eliminar qualquer dúvida jurídica quanto a constitucionalidade do instituto”, diz.
Opinião parecida com a do constitucionalista Henderson Fürst, que além de apontar que a decisão ratifica o que já vinha sendo praticado, também institucionaliza um importante instrumento para que a União respeite e aplique internamento tratados internacionais de direitos humanos.
”Vale lembrar que, por diversas vezes, o Brasil já foi condenado por desrespeitar tais tratados, especialmente deixando impunes casos que só tiveram uma resposta na Corte IDH.”
Respeitar e aplicar os tratados de direitos humanos dos quais o país é signatário também foi a consequência destacada pela advogada e ex-juiza federal, Cecilia Mello. ”A segurança jurídica é fator de extrema importância para a credibilidade do Brasil, tanto em termos internos, quanto externamente”, afirma.
Ela acredita que a decisão deve ser positiva por garantir uma apuração mais célere, eficaz e linear para esse tipo de crime.
Justiça estadual preservada
A possibilidade da decisão do STF enfraquecer de alguma maneira a Justiça dos Estados é descartada por todos os especialistas consultados pela ConJur. ”A federalização de tais processos não enfraquece a justiça dos estados, pois esse mecanismo apenas estabelece a possibilidade de atuação da Procuradoria Geral da República quando haja fundada necessidade para o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais”, explica o advogado Pedro Iokoi.
André Kehdi, sócio do Kehdi Vieira Advogados, segue a mesma linha. ”Em termos de trabalho, a federalização reforçaria a justiça dos estados, que ficaria com menos trabalho, e não o contrário. É verdade que, simbolicamente, isso poderia ter um impacto negativo na imagem das justiças estaduais, e isso é benéfico, não maléfico. Explico: com a possibilidade de federalização, há um aspecto pedagógico para as justiças estaduais: se forem eficientes, o caso continuará lá. Se não forem, a PGR pede e o STJ tira de lá e manda para a Justiça Federal”, afirma.
Critérios necessários
Um dos argumentos da AMB na ação era de que a regra inserida no artigo 109 da Constituição pela Emenda Constitucional 45/2004 violou o princípio do juiz natural. Toffoli afastou essa alegação afirmando que cabe à União responder por graves violações aos direitos humanos.
O deslocamento de competência desses processos pode ser pedido pelo procurador-geral da República. A AMB alegava que, assim, a nova norma criou uma nova competência para julgamento de matéria penal não prevista na Constituição.
Nesse ponto, Abboud defende a criação de critérios mínimos para balizar a atuação do PGR nesse tipo de caso. ”Eventual inércia do PGR em suscitar tal federalização em casos em que o deslocamento é evidentemente necessário poderá dar azo ao ajuizamento de reclamação constitucional perante o STF”, pondera.